quarta-feira, 29 de agosto de 2012

É do pico que se vê tudo

É do pico que se vê tudo. A costa, o horizonte e a promessa das ondas que estão a chegar.

Em terra, tudo o que ficou para trás. A viagem, os buracos na estrada e as curvas em que as rodas do carro rolam ao ritmo da música a que o rádio vai dando voz. Conduz-se com a urgência de quem foge, com a ânsia de quem procura e às vezes, quando o offshore é perfeito, no melhor dos cenários. Pode ser uma estrada contorcida, verde na berma, com alcatrão por traçar e digna de património Mundial. Pode ser de terra, entre hortas e chorões, pode ser à saída de uma Nacional ou de uma pequena estrada de aldeia. Pode até ser uma marginal engarrafada. Em terra, cada um faz o seu caminho. Mais rápido ou mais lento, menos ou mais trabalhoso, em piso esburacado ou em alcatrão europeu, num BMW ou num AX, o caminho fica no parque em que a roupa é trocada - a ganga, os ténis e o algodão, por neoprene, polypropileno e borracha. O parque da última pergunta: será que vai valer a pena?

É do pico que se vê tudo. O tempo de hoje e de amanhã, a moral de quem rema ao lado e os desafios que se avizinham. É no pico que todos sonham com a onda, a manobra ou o tubo - com um bottom sem vacilos,  um toquezinho de 'calcanhar' e uma golfada de ar, sonha-se com o chapéu e a visão que vicia. Sonha-se com o abraço ao Mar. É no pico que se preparam e travam as melhores das lutas, que se sonha com o horizonte.

Em Terra, durante o caminho, convém seguir de olhos bem abertos, com atenção a cantos escuros e com atenção a bicadas. No Mar, o jogo é limpo, aberto. E do pico vê-se tudo. 

Aguentem-se sets ameaçadores, drops em seco e chapéus que se transformam em prensas. Aguentem-se locais e temperaturas nórdicas. Aguente-se tudo. No Mar, onde o jogo é aberto, a negociação faz-se frente a frente e os momentos de luxo são sempre partilhados. No Mar, é o brilho nos olhos que conta. E do pico vê-se tudo.

É no Pico que se vê tudo. Vemos se valeu a pena o caminho, se é preciso mudar de destino e até as promessas no horizonte. É no pico que mais somos surpreendidos. Com as lombas que se agigantam, com as montanhas que se revelam doces ou com a nossa capacidade de sobrevivência. É no Pico, de olhos bem abertos, que nos superamos É no pico que vendo tudo, aceitamos ou fugimos aos desafios. É no pico que se enche o peito e que se coloca tudo em jogo.

É no Pico que se vê tudo.


terça-feira, 8 de maio de 2012

Tens lume?

Bastavam os primeiros metros do dia. Ainda no empedrado que pegava à saída de casa e já a nota de cinco euros se tinha transformado em 20 cêntimos. Mesmo Alfacinha e à rasca, ainda não cedera o vício diário de vinte Marlboro Lights e sem café trocar o empedrado pelo Eixo Norte Sul era, simplesmente, desumano. 

Pouco dado a fúrias no alcatrão, é ao volante que chega o segundo choque. O gasóleo já ultrapassou o preço do litro de Sagres na cadeia do senhor Belmiro. Felizmente, o carro até é dos poupadinhos e, ainda que à rasca, o Alfacinha sempre escapara ao preço dos transportes públicos. Agora até lhe falavam de falta de carruagens, mas a ele, um afortunado, as limitações da rede até lhe davam a desculpa perfeita. Assim, sempre ouvia a TSF enquanto torrava os primeiros vinte cêntimos do dia. Só boas notícias...

Uma cadeia de supermercados que transformava promoções em motins, despedimentos em ritmo recorde, ameaças parlamentares e preços a subir. Nos intervalos, sempre chegava uma ou outra novidade do mundo da bola, mas agora até ai eram os maus a celebrar. Diariamente, a viagem até ao trabalho era curta para tanta má nova. E os primos gregos? É verdade que a Espanha também vai chamar os cobradores da mala? E como estará a Merkel a gerir as saudades da sua marioneta predilecta?

Sabia que não era o mais orientado dos Alfacinhas e o dinheiro nunca tinha estado entre as suas prioridades. Uma viagem por ano; boa ou má vida; ligeiros problemas com discos e ténis, mas tudo em doses moderadas. Agora, tinha sofrido um gratuito "finish him. O preço da electricidade tinha dobrado e prometiam o mesmo remédio para a Água. Os ordenados encolhiam a cada vacilo, chegavam novos impostos sobre a casa que estava por pagar e não faltavam taxas sobre serviços que nem sabia que tinha. 

Era com a ajuda dos tirinhos de vinte cêntimos que fazia as contas e acabava por constatar que estava entre os sortudos. Era sua a cidade onde se bebia um café à beira rio depois de uma manhã nas ondas, a cidade das mais belas europeias, vivia rodeado de bons alfacinhas e nem sequer tinha perdido o direito aos dois meses mais folgados do ano. Continuava com 25 dias de férias e nem ia notar o corte nos feriados. Mas se nos velhos amigos impressos chegavam apelos à produção - é preciso mais, dizem-lhe os senhores que amelham quase um quarto de tudo o que lhe saía do bolso - no Mundo 2.0, era bombardeado com apelos Revolução - ocupa, não consumas, vota...

Com várias décadas entre ruas e histórias de Lisboa, estava cansado de ver provas do manso temperamento dos seus vizinhos. Como poucos, conhecia os poderes da atracção de um belo dia de praia e a facilidade com que se dizia "não vai mudar nada". Ainda assim, tinha-se convencido que à sua cidade só faltava um rastilho. Uma pequena ignição para que se juntasse finalmente aos países em ebulição. Num dia bom, com a habitual ajuda dos tirinhos de vinte cêntimos, até arriscava palpites quanto a quem faria a faisca e até onde fogo poderia alastrar. Desde a faculdade que os tirinhos de vinte cêntimos o ajudavam a pensar e agora, quando todos lhe diziam que era vício de quem estava entre o porcento folgado, o ritual ganhara um encanto especial. Tinha aprendido a gostar de ouvir perguntar por lume.

Acenda-se mais um.

   

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segunda-feira, 9 de abril de 2012

O Pedro

Trazia ténis e calças sujas, a camisa rasgada e nem o blusão se aproveitava - faltavam botões e um dos bolsos tinha sido arrancado. A mãe estava incrédula. Já tinha aparecido esfolado de trambolhões, com ténis estragados pela falta de jeito com a bola e até já tinha perdido dois ou três casacos, mas nunca tinha conseguido a proeza de desfazer uma muda de roupa em menos de um dia de escola. Nem o cabelo tinha escapado.

Sorridente por natureza, irritadiço por defeito e muito pouco adepto de sessões de pancadaria, o seu pequeno Pedro raramente se metia em trabalhos. Mas naquele dia tinha certamente alguma coisa para contar.

- Oh Mãe. Aconteceu-me tudo. Primeiro foi uma colega que me quis obrigar a ficar no canto dela. Levantei-me, andei e ela ficou agarrada ao meu bolso. Não sei onde foram parar os botões. A camisa? Foi logo a seguir. Misturei-me com os meninos das t-shirts e trocámos uns empurrões. Se me magoei? Nem por isso. Ganhei? Ninguém ganhou, mas a camisa ficou mal tratada ...

Uma colega apegada nem seria novidade e uma sessão de empurrões é um lamentável fardo na chegada das hormonas. Mas as calças e os ténis estavam mesmo muito sujos. O cabelo estava demasiado desgrenhado e a respiração ofegante fazia disparar todos os alarmes sanguíneos. A história ainda não estava toda contada.

- Foi a Madalena ... a mais bonita do grupo das t-shirts. No meio da confusão, não a vi sair. Corri aos bancos de jardim de que ela gosta. Mas não só não estava, como tropecei. Corri à pastelaria dos croissants, mas também não tinha ido lanchar. Ainda corri de volta ao pátio do liceu. Fartei-me de correr...

Tudo bem. Queda no jardim, tristemente banal. Correrias, também. Mas o que raio tinha a Madalena para o fazer correr tão desenfreadamente? Teria o pequeno Pedro descoberto os recantos menos iluminados dos pátios dos liceus?

- Cada um corre pelo que quer.

Deixou-se desarmar pela prontidão da resposta e discretamente até aprovou a irreverência do cada vez menos pequeno Pedro. Se queria correr, que corresse. Se não se importava de cair e trocar empurrões nos corredores, boa sorte. E se corria pela Madalena, alguma magia a menina teria. Essencial era que fosse aprendendo pelo caminho. Agora a lição era simples - entre correrias, é preciso recuperar a higiene corporal, sarar feridas, recuperar o equipamento e planear a escolha da próxima rota.

- Mãe, pior que tudo isso é arranjar coragem para voltar a correr.

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domingo, 1 de abril de 2012

Lisboa

Não é fácil calcorrear os passeios de Lisboa. A calçada é gira, mas esburacada. O terreno é inclinado. E o festim para os olhos, não compensa a curta linha de Metro. Ainda assim, pasme-se, há quem tenha orgulho em lhe conhecer os segredos.

Em Lisboa, há quem se perca nos recantos mais escuros, quem se vicie nas esplanadas e quem ceda ao ritmo do seu triste Fado. Em Lisboa, também não falta quem vingue, quem lhe aproveite o Sol e lhe promova a beleza.

A direito, a ser embalado ou a escalar a Rua das Pretas, sobreviver em Lisboa não é fácil e a esquizofrenia da sua vida pode tornar-se contagiante. A cidade do Príncipe Real, tem sem-abrigo nos Restauradores. A cidade que nasceu com Rio, Mar e Sintra, tem prédios devolutos no Saldanha. A cidade do Castelo tem o Colombo.

A Lisboa dos Pingo Doce, tem as mercearias dos antónios. A Lisboa da Segunda Circular, tem mesmo uma Ponte Sobre o Tejo. A Lisboa do Jardim da Estrela também tem Docas. Lisboa, cidade que o Alfacinha sempre ouviu ao som de Paredes, acolheu os Delfins. A cidade que se ajoelhou para o Ratzinger, mas fez revoluções sem tiros. Um cravo? Zero mortos? E um regime deposto? Só em Lisboa.

Longe de ser uma autoridade no assunto, o Alfacinha até sabia duas ou três coisas da história da cidade. Sabia que em nome de um dos seus primeiros heróis, apresentava a mais triste das praças. Sabia que de Belém tinham saído loucos à procura de Terra e a história do Largo do Carmo. Sabia que a capital do país falido tinha sido de Camilo e de Pessoa. Sabia que a capital do país do Aníbal, apresentava Ronaldos e Mourinhos. O Alfacinha também não se esquecia que a sua Lisboa era associada a Durão Barroso e que no currículo tinha a censura a um livro de prémio Nobel. Em Lisboa já se tinham cometido as maiores das atrocidades, mas também tinha sido a primeira a não ter pena de morte.

Longe de ser a mais fácil das cidades e sendo capaz de moer o ritmo ao mais convicto dos peões, nunca o Alfacinha tinha pensado em trocar. Londres e Maputo dificilmente poderiam ser mais tentadoras, mas no máximo ponderara uma visita prolongada. Nunca uma substituição. E afinal, o que o prendia? O desafio? A vista? O luxo de estar entre Sintra e uma costa com praias de luxo? Vivia convencido que bastava balanço para sobreviver e que com um bocadinho de persistência ainda iria ver oportunidades na sua Lisboa. Cuidava-lhe a higiene, apregoava-lhe a beleza e nunca lhe poupava elogios. Longe de lhe domar todas as colinas, nunca o Alfacinha tinha pensado em jogar noutras ruas. Lisboa tinha-lhe dado o nome, o feitio e o suficiente para saber que às vezes nem é preciso muito para se poder ter tudo.

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segunda-feira, 19 de março de 2012

Life On Mars

Ser a Terra o único dos planetas com inquilinos sempre me pareceu o maior dos desperdícios. Tanto espaço para um Mundo? Tanto espaço para só reinar uma só espécie?

Aos Domingos, dizem que somos feitos à imagem de Deus e nem colocam a hipótese de existirem "homenzinhos verdes". Nos cafés, perder tempo a pensar no assunto é coisa de quem foge aos grandes dilemas: foi bola na mão ou mão na bola? E a verdade é que quem luta para sobreviver neste não perde tempo a pensar noutros planetas. Mas haverá mesmo vida em Marte?

Por cá, passámos das planícies africanas para os T0 com vista para lado nenhum e fizemos o que nem o tal do Deus arriscou - moldámos a terra à nossa imagem. Roubámos mar onde foi preciso, poluímos onde precisámos de parar e nunca perdemos mais que quinze minutos a escolher entre uma floresta ou uma auto-estrada.

Por cá, dizem os livros, tivemos uma geração de "Paz e Amor" e umas quatro ou cinco marcadas por guerras. Marcadas por crises económicas, vamos para a segunda. E nem vale a pena contar com as largas centenas de anos que perdemos a torturar os nossos. Curamos o incurável, ampliamos sentidos e sobrevivemos a quase todas as intempéries. Quase todas.

Safámo-nos bem? Era engraçado ter termo de comparação. Como terão feito os vizinhos? Será que a velha história da cobiçada galinha se aplica? Como será a vida com outras regras e outros jogadores? Nós por cá, teimamos em não aprender, em perder demasiado tempo em guerras e sempre pouco atentos aos amores. Defeito genético? Conseguimos seguir ao minuto o que se faz no hemisfério oposto, exportamos letras, sons e imagens graças ao mundo www. e até praias vemos em livefeed. Perdemos demasiado tempo entre os www. e pouco nas verdadeiras praias? Muito provavelmente. Não as sabemos estimar? Garantido.

O nosso melhor cartão de visita? A música. Seria publicidade enganosa recorrer a um dos sinfónicos, mas podemos mostrar a nossa genialidade com o Sketches of Spain, o nosso rasgo com o Are You Experienced ou a nossa megalomania com o The Wall. Podemos exibir a nossa resistência com o Battle of LA ou com o Exodus. Podemos exibir o Jimmy Paige, o Freddie Mercury ou a Aretha Franklin ou o arsenal tecnológico do Sound of Silver.

Haverá vida em Marte?




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segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

O Alfacinha

Já por aqui passaram bailarinos, músicos, motoristas, marinheiros e até cabeças de wax. Mas e já contei a história do Alfacinha?

Com o mundo desorientado, vivia na capital dos falidos amorfos, o emprego estava longe de ser seguro e, por desígnios a que até era alheio, as dívidas não paravam de aumentar. Diziam-lhe que como ele estava uma geração.

Enquanto os primos gregos se entretinham a destruir o berço da civilização, o Alfacinha perdia horas a pensar nas maravilhosas ironias do panorama. Afinal, o mundinho em que as democracias degeneraram está a começar a pegar fogo na ... Acrópole? Feitios... Tivesse o Alfacinha puxado o temperamento dos primos atenienses e há muito que estavam ainda mais esburacadas as calçadas de Lisboa.

Havia quem lhe chamasse preguiçoso. Corrupção e preguiça eram duas das palavras que os primos de Berlim mais usavam quando falavam da família do Sul. O Alfacinha preferia usar a terceira palavra a que os boches eram obrigados a recorrer - Sol. Ao alfacinha, sempre lhe parecera que o problema estava na arrumação. A Europa fica para a direita de Elvas e bem atrás de Chaves. A Europa sem sol, a Europa das contas de zeros destros, a Europa dos altos, não se vê na terra do Alfacinha. Por cá, temos praia, água por todo o lado, vagas de frio acima dos 10º, mulheres bonitas e o Alfacinha nem percebia como era possível não vadiar.

O que dizia ao berliners? "Não se esqueçam de parar cá nas férias, mas por favor depois não telefonem."

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Há sempre uma música

Pode estar fora de moda, ser de outro tempo, de um estilo de música inesperado e até de uma figura de talento questionável. Sendo certo que meter-lhe uma boa dose de alma ajuda, a dura verdade é que não há receita para uma grande música. E só há um ingrediente comum: todas fazem sentido.

Num dia bom, uma grande música é descoberta à conversa. Num dia perfeito, uma grande música serve de apresentação a músicos incríveis. E normalmente, o momento fica gravado. Ouvi a Roadhouse blues, em disco, sentado em frente à aparelhagem do meu pai. Ouvi a Smells Like Teen Spirit, em cassete, na aparelhagem do meu primo antes de mais uma sinistra explicação de matemática. Descobri a Moanin, em cd, numa das Fnac de Madrid, depois de perguntar ao meu pai: "Por onde começo a ouvir Jazz?". Descobri a Hurt numa praia ali para os lados de Óbidos, num mp3 emprestado, a meio de um cinzento dia de praia.

Ao seu jeito, por um motivo ou outro, todas fizeram sentido e todas abriram a porta a horas infindáveis de música. Gostaria de blues se não tivesse tropeçado na guitarra do Krieger? Sem os meus amigos Cobain, Grohl e Novoselic teria descoberto o Alternative Nation na MTV? Sem o balanço da bateria do Art Blakey teria chegado ao Coltrane? E sem a versão dos Nine Inch Nails descobriria o Johnny Cash?

Foi à conversa que me apresentaram os Mumford & Sons e foi a White Blank Page que me fez ir ouvir o Sigh No More. Pelo Youtube encontrei história de uma página não tão em branco assim, de um coração cansado, cantada entre amigos por um tal de Mumford. Não sei quem compôs ou quem escreveu, não sei se há por ali génio ou um talento digno de registo, mas faz sentido. Porque nem sempre as prometidas páginas estão em branco, porque, porque nem sempre as promessas se concretizam, o melhor é esperar pelo segundo disco e pelo concerto no Alive.



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sábado, 18 de fevereiro de 2012

Merda

Há quem use sacos de plástico, quem evite o problema não tendo cães e até quem esqueça os outros e a deixe no passeio para que outros a enfrentem. Quando é própria, a merda, é mais fácil. Evitas, assumes a responsabilidade e resolves. Simples. Mas todos sabemos - não é fácil lidar com merda.

Sendo alheia não há mais que duas alternativas: pisas ou desvias caminho, 'os outros que resolvam'. Igualmente indiscutível é que nunca o encontro é agradável. Seja a prenda de um fofinho labrador, de uma epidemia de pombos, os restos apodrecidos de restaurante de terceira categoria ou um ser humano de valor negativo, nunca ninguém, na História da Humanidade, gostou de lidar com merda. E poucos foram os que conseguiram ganhar alguma coisa com isso.

O Gandhi, o Mandela, o Churchill ou o Luther King? Talvez. Resolveram muita merda, lidaram com montes dela e no final acabaram a passear num passeio limpinho. Ganharam com isso? Talvez. Dizem que ter a consciência bem tratada vale milhões e eu não gosto de julgar prioridades.

Afinal, como se lida com merda? Pisas, ignoras, desvias ou limpas? E se quiseres mesmo fazer o passeio? Como será que o pessoal do presidente Aníbal faz? E a malta que alimenta o D. Manuel Monteiro de Castro?

Merecem respeito os Homens da Limpeza. Dos que caçam 'artistas', aos que prendem e mesmo aos que pura e simplesmente são obrigados a reagir. Heróis serão sempre os que têm moral para evitar que outros tenham de lidar com merda.

Garantido é que a forma como se lida com merda, alheia ou nem por isso, exige carácter. Há quem fuja, quem aguente, quem ignore e até quem seja capaz de resolver ... Verdade universal: ninguém gosta de o fazer.

...

Disclaimer: Não é fácil escolher uma música para um post sobre merda. Para compensar o odor fica a mais recente descoberta.



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sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

O senhor do chapéu

Diziam-lhe que era o ingrediente mágico. Que dava encanto; que era garantia de sucesso, na vida e no amor; até que assegurava a felicidade, mas nunca tinha percebido como a arranjava. Sabia de quem vendesse walkmans, barbatanas de tubarão para sopa e até camisolas do Sporting com o símbolo de campeão nacional. Na sua Lisboa, sabia onde comprar tudo. Da droga mais pesada ao modelo mais raro de ténis, mas nunca lhe tinham dito onde podia comprar classe.

Um senhor de chapéu preto, a quem todos gabavam a classe, contara-lhe uns segredos. Tinha de reciclar as t-shirts de banda desenhada e com enormes logotipos, tirar as calças de dentro das botas e deitar fora o frasco de gel. Tinha de limpar o stock de piadas com rimas e deixar de fazer eco a lugares comuns. Uma tragédia para quem adorava citar autores que não percebia, que tinha orgulho nas t-shirts com bonequinhos e nada o deixava mais orgulhoso que um logotipo da Timberland bem à vista do Mundo. Seria mesmo necessário mudar tanto para conseguir a classe de que o senhor do chapéu lhe falava?

Sem nunca lhe explicar onde a conseguira, o senhor do chapéu dizia que sim. Que nem era preciso chamar à atenção, usar cores berrantes, saltar ou falar muito, dizia-lhe o senhor do chapéu que nem eram precisos logotipos ou decorar dezenas de citações, mas nunca lhe disse onde comprara a classe que o Mundo lhe gabava. Estaria o segredo no chapéu?



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segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Cabeça de Wax - Aperto

Em frente ao pontão, entre correntes, e incapaz de remar de volta para a costa, o cabeça de wax acordou num aperto. Para a direita, já passara vinte minutos a remar. Em frente, um pontão a ser brindado com a força da ondulação. Na esquerda, o desconhecido Tejo. Para dificultar, uma irritante corrente a puxar em direcção ao Bugio. Sozinho.

Estava cansado, o Cabeça de Wax. Pernas e braços pesados teimavam em atrapalhar a alma que pedia mais uma. Mais duas ondas. Uma direita perfeita só para sacar a travessa de ameijoas para o dono do Tubo do Dia. E outra, só para voar um bocadinho ... Não conseguiu.

Remar no Tejo, debaixo de olhares jocosos dos locais do pontão e ter de escalar até ao cimento, não foi o mais edificante dos seus momentos, mas serviu para alinhar a perspectiva. Às vezes, na procura dos momentos memoráveis, os que ficam na memória, perde-se demasiado tempo a remar contra a maré. Inevitável?



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terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Mártires da Pátria

Aparece depois de uma esquadra. Primeiro o jardim e o barulho do empedrado, depois o café, a velha Artur Ravara e mais verde. Segue-se um dos devolutos palacetes alfacinhas, um santuário a cães e a estreita descida para o Hospital dos Capuchos. Depois é só ignorar os sinais de trânsito e voltar para trás.

À direita, um jardim infantil. À esquerda, uma mercearia com cheiro a caril, cafés duvidosos e o parque de estacionamento mais fedorento de Lisboa. Perfeito para parar e descobrir os segredos mágicos do quarteirão. Há patos, árvores, uma esplanada surpreendentemente tranquila e a história de mártires da pátria. Gente que deixou marca, mas que não ficou para ver o final da aventura.

Tenho saudades da magia do Mártires da Pátria.



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quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Alex

A idade tinha-o tornado céptico. Quando chegava a hora de ouvir música, Alex gostava de ouvir cantar Vida. E o som, instrumental ou cantado, tinha de bater certo com o seu Mundo. Seria possível que um miúdo de 20 anos contasse histórias com sentido? Que um puto com idade para perder horas em maratonas de playstation soubesse algo de útil para a sua vida? Com ou sem razão, certo é que pelo caminho os Doors foram ficando para trás e o Springsteen não parava de ganhar espaço.

Desde novo que descobrira o Beck. Primeiro a Loser, depois o Mellow Gold. Ficou fã. Depois descobriu o Damon Albarn. Primeiro a Song 2 e depois uma variedade de musical absurda. E foi já mais velho que ouviu o Boss e descobriu um puto de vinte e poucos anos. E o dilema resolveu-se.

Ladies and gentleman, Mr Alex Turner.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

All that Jazz

"Arranjas-me um Jazz?" O pedido até tinha sido com jeitinho, quase com vergonha, mas o peso estava lá. Não é pedido que se faça. Rápido ou lento? Com muito ou pouco swing? Sexy ou agressivo? Complexo ou genialmente simples? Saxofone, trompete, bateria ou uma Big Band? Com letra?

Rock seria fácil. Chuck Berry, Led Zeppelin, Guns n' Roses, White Stripes, Black Keys. Com o Hip Hop, ainda mais simples. Run DMC, Public Enemy, Notorious BIG, Eminem, Kanye West. Música pesada? Rage Against The Machine, Pantera, Machine Head... Nada pior que o Jazz. Quando o assunto é apresentar o estranho mundo de Miles a missão é espinhosa. Basta uma sugestão errada e a curiosidade dá lugar ao desinteresse e ninguém devia morrer sem perceber o Jazz.

Desafio naturalmente aceite. Ainda que limitado pelo suporte da coisa - por aqui ainda se ouve música em cd - lá entraram uns monstros sagrados. Os que foram descobertos lá pelos corredores do Camóes. Miles Davis, John Coltrane e Art Blakey, seguramente. Ray Charles, Keith Jarret, Thelonious Monk, também por lá devem ter seguido. O Hendrix vai sempre. E sem Ella a pen não seria devolvida. Só indiscutíveis.

Se adere ou não ao estranho mundo de Miles, não sei. Será que tem tempo para parar e ouvir tanta música? Duvido. Ninguém tem. Despeço-me com um disclaimer: já paguei por discos de todos os citados. E com uma dúvida. Entre sms, whatsapps, youtubes, facebook, toneladas de streamings e downloads para todos os gostos, nos apercebemos de tudo o que ouvimos? Duvido.


Enjoy