segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

O Alfacinha

Já por aqui passaram bailarinos, músicos, motoristas, marinheiros e até cabeças de wax. Mas e já contei a história do Alfacinha?

Com o mundo desorientado, vivia na capital dos falidos amorfos, o emprego estava longe de ser seguro e, por desígnios a que até era alheio, as dívidas não paravam de aumentar. Diziam-lhe que como ele estava uma geração.

Enquanto os primos gregos se entretinham a destruir o berço da civilização, o Alfacinha perdia horas a pensar nas maravilhosas ironias do panorama. Afinal, o mundinho em que as democracias degeneraram está a começar a pegar fogo na ... Acrópole? Feitios... Tivesse o Alfacinha puxado o temperamento dos primos atenienses e há muito que estavam ainda mais esburacadas as calçadas de Lisboa.

Havia quem lhe chamasse preguiçoso. Corrupção e preguiça eram duas das palavras que os primos de Berlim mais usavam quando falavam da família do Sul. O Alfacinha preferia usar a terceira palavra a que os boches eram obrigados a recorrer - Sol. Ao alfacinha, sempre lhe parecera que o problema estava na arrumação. A Europa fica para a direita de Elvas e bem atrás de Chaves. A Europa sem sol, a Europa das contas de zeros destros, a Europa dos altos, não se vê na terra do Alfacinha. Por cá, temos praia, água por todo o lado, vagas de frio acima dos 10º, mulheres bonitas e o Alfacinha nem percebia como era possível não vadiar.

O que dizia ao berliners? "Não se esqueçam de parar cá nas férias, mas por favor depois não telefonem."

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Há sempre uma música

Pode estar fora de moda, ser de outro tempo, de um estilo de música inesperado e até de uma figura de talento questionável. Sendo certo que meter-lhe uma boa dose de alma ajuda, a dura verdade é que não há receita para uma grande música. E só há um ingrediente comum: todas fazem sentido.

Num dia bom, uma grande música é descoberta à conversa. Num dia perfeito, uma grande música serve de apresentação a músicos incríveis. E normalmente, o momento fica gravado. Ouvi a Roadhouse blues, em disco, sentado em frente à aparelhagem do meu pai. Ouvi a Smells Like Teen Spirit, em cassete, na aparelhagem do meu primo antes de mais uma sinistra explicação de matemática. Descobri a Moanin, em cd, numa das Fnac de Madrid, depois de perguntar ao meu pai: "Por onde começo a ouvir Jazz?". Descobri a Hurt numa praia ali para os lados de Óbidos, num mp3 emprestado, a meio de um cinzento dia de praia.

Ao seu jeito, por um motivo ou outro, todas fizeram sentido e todas abriram a porta a horas infindáveis de música. Gostaria de blues se não tivesse tropeçado na guitarra do Krieger? Sem os meus amigos Cobain, Grohl e Novoselic teria descoberto o Alternative Nation na MTV? Sem o balanço da bateria do Art Blakey teria chegado ao Coltrane? E sem a versão dos Nine Inch Nails descobriria o Johnny Cash?

Foi à conversa que me apresentaram os Mumford & Sons e foi a White Blank Page que me fez ir ouvir o Sigh No More. Pelo Youtube encontrei história de uma página não tão em branco assim, de um coração cansado, cantada entre amigos por um tal de Mumford. Não sei quem compôs ou quem escreveu, não sei se há por ali génio ou um talento digno de registo, mas faz sentido. Porque nem sempre as prometidas páginas estão em branco, porque, porque nem sempre as promessas se concretizam, o melhor é esperar pelo segundo disco e pelo concerto no Alive.



Enjoy

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Merda

Há quem use sacos de plástico, quem evite o problema não tendo cães e até quem esqueça os outros e a deixe no passeio para que outros a enfrentem. Quando é própria, a merda, é mais fácil. Evitas, assumes a responsabilidade e resolves. Simples. Mas todos sabemos - não é fácil lidar com merda.

Sendo alheia não há mais que duas alternativas: pisas ou desvias caminho, 'os outros que resolvam'. Igualmente indiscutível é que nunca o encontro é agradável. Seja a prenda de um fofinho labrador, de uma epidemia de pombos, os restos apodrecidos de restaurante de terceira categoria ou um ser humano de valor negativo, nunca ninguém, na História da Humanidade, gostou de lidar com merda. E poucos foram os que conseguiram ganhar alguma coisa com isso.

O Gandhi, o Mandela, o Churchill ou o Luther King? Talvez. Resolveram muita merda, lidaram com montes dela e no final acabaram a passear num passeio limpinho. Ganharam com isso? Talvez. Dizem que ter a consciência bem tratada vale milhões e eu não gosto de julgar prioridades.

Afinal, como se lida com merda? Pisas, ignoras, desvias ou limpas? E se quiseres mesmo fazer o passeio? Como será que o pessoal do presidente Aníbal faz? E a malta que alimenta o D. Manuel Monteiro de Castro?

Merecem respeito os Homens da Limpeza. Dos que caçam 'artistas', aos que prendem e mesmo aos que pura e simplesmente são obrigados a reagir. Heróis serão sempre os que têm moral para evitar que outros tenham de lidar com merda.

Garantido é que a forma como se lida com merda, alheia ou nem por isso, exige carácter. Há quem fuja, quem aguente, quem ignore e até quem seja capaz de resolver ... Verdade universal: ninguém gosta de o fazer.

...

Disclaimer: Não é fácil escolher uma música para um post sobre merda. Para compensar o odor fica a mais recente descoberta.



Enjoy

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

O senhor do chapéu

Diziam-lhe que era o ingrediente mágico. Que dava encanto; que era garantia de sucesso, na vida e no amor; até que assegurava a felicidade, mas nunca tinha percebido como a arranjava. Sabia de quem vendesse walkmans, barbatanas de tubarão para sopa e até camisolas do Sporting com o símbolo de campeão nacional. Na sua Lisboa, sabia onde comprar tudo. Da droga mais pesada ao modelo mais raro de ténis, mas nunca lhe tinham dito onde podia comprar classe.

Um senhor de chapéu preto, a quem todos gabavam a classe, contara-lhe uns segredos. Tinha de reciclar as t-shirts de banda desenhada e com enormes logotipos, tirar as calças de dentro das botas e deitar fora o frasco de gel. Tinha de limpar o stock de piadas com rimas e deixar de fazer eco a lugares comuns. Uma tragédia para quem adorava citar autores que não percebia, que tinha orgulho nas t-shirts com bonequinhos e nada o deixava mais orgulhoso que um logotipo da Timberland bem à vista do Mundo. Seria mesmo necessário mudar tanto para conseguir a classe de que o senhor do chapéu lhe falava?

Sem nunca lhe explicar onde a conseguira, o senhor do chapéu dizia que sim. Que nem era preciso chamar à atenção, usar cores berrantes, saltar ou falar muito, dizia-lhe o senhor do chapéu que nem eram precisos logotipos ou decorar dezenas de citações, mas nunca lhe disse onde comprara a classe que o Mundo lhe gabava. Estaria o segredo no chapéu?



Enjoy