segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

À rasca

O que faz um Alfacinha à Rasca se no trabalho o cenário está longe de ser brilhante e se aquela merda que (quase) todos temos a bombear sangue quente já conheceu dias bem mais saudáveis? O que faz um Alfacinha à Rasca num país em que o capitão do barco diz para saltar borda fora? Já viram algum filme de piratas em que os rapazes não saltem quando a água começa a subir?

Começa por calar o telemóvel e acender um cigarro. O resto vem depois. Segue-se uma contagem de soldados. Os mais próximos, os mais afastados e os bons. Entre eles, os alfacinhas com mais sorte encontram um irmão. DEpois, é preciso escolher um destino. Barato, que o Mundo não está para loucuras, com espaço e a que não falte, nos momentos precisos, movimento. Naturalmente, tem de ser perto da praia. Não esquece a escolha da banda sonora. Nada de eufórico, nada de lamechas, nada demasiadamente deprimente. Cash, Hendrix, Rage Against the Machine ou Coltrane são sempre boas escolhas.

Um Alfacinha não é fácil de abater. Muito menos se estiver à rasca. Há quem lhe chame filosofia de Barata. Venha o que vier, seja em Lisboa, na Praia ou noutro continente, um alfacinha sobrevive. Mesmo à rasca.



Enjoy

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Senhor Primeiro Ministro II

Já dorme? Não adormeça Senhor Primeiro Ministro. A chegar à parte animada da história e adormece? Aguente lá mais um bocadinho e vai ver que fica a perceber como aqui chegámos. E logo nós, os que viemos de tão longe. Acorde lá o seu iPad.

Foi bonita a festa. Com cheiro de cravos, correu-se com empoeirados e bafientos e ainda se lançou uma bela discussão: então e agora? Improvisou-se um pouco sensato conselho da revolução e até se fizeram eleições. Isso sim foi uma novidade! Votávamos e volta não volta lá vinha um surpresa.

Foi giro, mas nem por isso andámos para a frente. E o pior estava para vir. Sim, Senhor Primeiro Ministro, aquele rapaz do poster que tem no quarto tornou-nos ainda mais saloios. Camiões de dinheiro vindo dos nossos então amigos europeus e uma nulidade absoluta de ideias inteligentes. Sabe, os anos em que o seu mentor mandou cá na terra foram uma chatice.

Mas olhe que nós por cá sempre nos fomos orientando. Melhor ou pior, tivemos por cá gente de gabarito. Olhe, Senhor Primeiro Ministro, sejam os Picasso ou os Hemingway, os nossos Vieira da Silva e Eça não se batem mal com ninguém. Ironias? Tivemos o Camilo. E para fechar oferecemos o nosso Saramago. Sabe, Senhor Primeiro Ministro, que foi o saloio do seu mentor que o empurrou para os vizinhos?

Seguiram-se uns governos orientados, uns desorientados e outros que até chegaram a ser divertidos. Não me diga que se esqueceu de ver o seu colega Paulo na tomada de posse? Quer que lhe conte a história dos submarinos? Ou que lhe lembre o seu antecessor, o Pedro, à procura das folhas do discurso? Momentos brilhantes. Quer ouvir um? Ora pegue lá nisso e escreva no You Tube: Ornatos Ouvi dizer.



Sabe senhor Primeiro Ministro, chegámos ao fundo do poço. Se já ganhávamos mal, agora será ainda pior. Dizem-nos que temos demasiado direitos e que vamos ter de trabalhar mais. Menos feriados, menos dias de férias e até os subsídios se foram. Digo-lhe que não percebo. Se os vejo, aos seus colegas, a dar dinheiro aos bancos, se os vejo de Porsche e na Quinta da Marinha porque raio nós temos de levar com um aumento no bilhete do autocarro. Até sei que o Senhor Primeiro Ministro mora em Massamá. O que lhe dizem os vizinhos? O senhor do café ainda lhe traz a bica curta?

Ouvi-o dizer aos mais novos para emigrar. Eu percebo-o, descanse. Nunca tinha tido um emprego e de repente dá por si aos comandos de um barco demasiado grande para as suas delicadas mãos. Está assustado, é normal. Não vê saída e, como até tem bom coração, deixou que o desabafo lhe saísse pela boca. Não é grave. Podia ser pior. Imagine que era o sôr Relvas a mandar nisto? Vendiam-se já os jovens aos chineses.

Mas sabe, senhor Primeiro Ministro, tenho para mim que os putos não se vão embora. Mais facilmente os vejo partir uma ou duas montras, que a largar o barco. Mesmo com um capitão desgovernado, gostam disto por cá e, se forem dos meus, até acham que a terra é boa.

Veja lá senhor Primeiro Ministro se ouve o que lhe digo. Não faça as vontades todas à Senhora alemã, acredite que a única coisa decente no Senhor Sarkozy é a sua senhora e não se esqueça que temos, pelo menos, direito a fazer a barulho. Faça como os nossos sempre fizeram. Esgravate, faça barulho, bata com o pé no chão ou parta qualquer coisa. Pode ser que assim o oiçam, pode ser que assim os mais novos, os que não vão emigrar, não tenham de fazer o mesmo.

Não chore Senhor Primeiro Ministro. Faltam meia dúzia de meses para lhe darem a desculpa para sair de cena. Nessa altura, não escolha Paris como refúgio que já não é novidade. Nessa altura, os mais novos estarão por cá, comigo a tomar conta deles, para continuar a suportar a ondulação.

Como acaba? Não sei, mas será uma história com moral. Para já, Senhor Primeiro Ministro, pode ir andando. Lave os dentes, vista o pijama, trate de se aliviar e vá dormir. Não se esqueça: "Meninos que brincam com o fogo, fazem chichi na cama".



Enjoy

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Senhor Primeiro Ministro I

Psssst. Senhor Primeiro Ministro, sente-se aqui. Quero-lhe contar uma história. Sim, pode trazer o iPad. Já soube que perdeu um na visita a Angola e não tenho dinheiro para pagar outro. Sabe, parece que falimos. São dois minutos. Conversa breve e conto-lhe a história da nossa terra. Um país antigo, com mais de 800 anos de históra...

Onde vai? Tenha calma senhor Primeiro Ministro. Não tem paciência para histórias demoradas? Tenha calma. Vai ver que não custa e até lhe dou uma musiquinha. Carregue lá nisso. Youtube, procurar e é só escrever - zeca afonso mais cinco.



O Norte da península nem era feio, mas as complicações das partilhas obrigaram a uma caminhada para Sul e o sol até era mais simpático. E os nossos lá decidiram ficar. Está a ouvir senhor Primeiro Ministro? Tenha paciência que isto já anima. Experimente agora isto. Escreva - Gilberto uma nota só.



Vindos do Norte, tiveram de lutar pela terra para assentar na costa e depois brilhar no mar. Não lhe minto Senhor Primeiro Ministro, não sei em que praia foi, mas garanto que no dia em que um dos nossos decidiu ir ver se o mar tinha fim as ondas estavam boas. E olhe que a coisa até correu bem durante uns tempos. Massacre aqui, massacre ali, acordo aqui e negociata ali e lá fomos andando. Mas só até ao dia em que começámos a pedir dinheiro para pagar a frota. Lá por baixo? Correram connosco à porrada. E nessa altura já estava tudo estragado.

Talvez pelo excesso de Sol - já o tinham avisado que faz mal? tenha cuidado na próxima ida a Angola ... -, por azar ou por deformação genética, algures nas últimas centenas de anos perdemos as vistas. Andámos demasiado tempo de Botas quando o Mundo já corria com Nikes nos pés e ainda hoje pagamos por isso. Ora agora, escreva: Filho da Mãe. Sobretudo é preciso que acredite nisto: não lhe minto.



Deixe-se estar sentado e não fique triste. Mesmo embrutecidos, os nossos antepassados, nunca perderam a classe e na hora da revolução armaram-se com Cravos. Meia dúzia de tiros, um morto por engano e um regime derrubado. Sabe Senhor Primeiro, acabou por nem ser assim tão difícil. Aqui ao lado a coisa só se resolveu com uma Guerra Civil e felizmente os nossos nem a um canhão deram ordem para disparar.



Conhecia esta? Ah sim, os seus pais contaram-lhe a histórias do comunas? Pois olhe que os vejo como gente de boas intenções. Se me permite, Senhor Primeiro Ministro, vou-lhe ensinar uma palavra: obtuso. Se é verdade que sempre me pareceram boa gente, também não deixa de ser verdade que sempre me pareceram demasiado ... obtusos. Mas olhe, tenho uma coisa em comum com os moços: também perdi a história. Escreva lá "fado toninho". Onde íamos?



to be continued ...

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Fora

Era o Fora. Um daqueles tristes casos em que a alcunha de infância se pega aos ossos. O Manuel que nunca foi Manuel, o Pedro que nunca foi Pedro ou o Carlos que nunca passou de Fora.

Vivia convencido que as pessoas eram mais que os seus corpos. Karma? Alma? Espírito? Ainda não tinha decidido o que lhe chamar. Faltava-lhe a palavra, mas vivia convencido que o Manuel, o Pedro ou o Carlos tinham algo ... fora. E se os ossos já começavam a mostrar os quilómetros, lá fora, as marcavas também se faziam notar. O Fora, vivia convencido que infâncias felizes, adolescências traumáticas, casamentos ou mesmo fins de tarde perfeitos, tinham o seu cunho.

Estranho o Fora. Gostava do seu copo com amigos, da sua manhã de praia e conhecia todos os segredos da sobrevivência feliz em jantaradas. E sempre, sempre, convicto que importante era a parte de fora. A melhor definição que conhecia? Coração. Elogios à beleza, à sagacidade, ao sentido de humor ou a um qualquer talento atlético, tornavam-se triviais quando era o Coração a ser gabado. Quem não gosta de ouvir: "Tens um bom coração."

Homem de bom coração, o Fora. Aluado, como alguns lhe chamavam, distraído ou mesmo preguiçoso. O Fora não era conhecido por ser rápido, mas já tinha ouvido mais que um elogio ao Coração. Tinha as suas marcas e as suas vitórias e aparentemente o resultado não tinha, para os que notavam, sido mau. Algo mais importante que um bom coração? O Fora achava que não.



Enjoy